GROOVIN MOOD ENTREVISTA: Criola Beat

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O Maranhão é um território de riqueza cultural inestimável, e carrega em seu DNA influências que ajudaram a moldar a identidade brasileira. Conhecido como a “Jamaica Brasileira” por sua forte relação com o reggae, o estado vai além desse título e é um polo de manifestações culturais negras ancestrais, como o tambor de crioula, que ocupa um lugar central não somente como manifestação artística, mas com um papel de elo entre passado e futuro, tradição e inovação.

Nesse cenário, surge o Criola Beat, que entrelaça o tambor de crioula com a pulsação do dancehall, do reggae e da cultura sound system, amplificando a cultura maranhense, transformando a resistência em música, e se colocando como um movimento que valoriza a oralidade, a percussão e o improviso do tambor de crioula, ao mesmo tempo em que destaca os elementos da música urbana.

Em entrevista exclusiva para o Groovin Mood, Mr. Adnon, Biodz e Hairton Roxedo, que integram o Criola Beat, compartilham suas inspirações, o processo de criação do mais recente trabalho, o EP “Criola Beat Dancehall Style Vol. 2” e o impacto da cultura maranhense em sua identidade sonora.

Confira!


Groovin Mood: Como surgiu o Criola Beat e quais foram as referências e pontos de partida para a criação do grupo?

Mr. Adnon: A ideia, a inspiração, o sentimento para a criação do Criola Beat veio das vivência da roda de tambor, mais especificamente no Centro Cultural Mestre Amaral, em São Luis, de 2012 a 2019. Lá passamos por esses fundamentos que a gente aprende, tanto da rítmica, quanto da melodia, da cantoria, das rimas, do freestyle, do improviso que o tambor tem, e também dos fundamentos da vida.

Mas se teve um ponto cronológico foi exatamente quando o Centro Cultural Mestre Amaral foi desativado pelo sistema municipal. Isso trouxe um sentimento de que era preciso fazer alguma coisa por uma cultura que, como sabemos, quanto mais o tempo passa, se não tiver fortalecimento e continuidade, a gente sabe que enfraquece, como já ocorreu em cidades menores do interior do estado, onde o tambor de crioula já desapareceu.

Então esse foi um sentimento de urgência, um “eu preciso fazer algo”. Parei tudo que eu estava fazendo na época, inclusive um outro projeto que tenho, a banda Souvenir, pensei “cara preciso fazer alguma coisa” com essa situação, com essa necessidade. E foi assim que surgiu o Criola Beat, desse manifestar das nossas ideias e da nossa narrativa fundamentadas no Tambor de Criola. 

 

GM: Qual a formação atual do Criola Beat?

Mr. Adnon: O Criola Beat primordialmente, originalmente, é um som. Fazer um som pra juntar todas essas pessoas que estavam ali na roda de tambor, nas vivências de tambor, independentemente do gênero musical, porque no tambor a gente se encontrava geral, a galera do reggae,  da cultura popular, do rap, do rock, geral tá no tambor. Então, é basicamente isso, a criação de um repertório para que a gente pudesse se reunir.

Portanto, essa era a ideia primordial do Criola Beat. Mas atualmente, depois de quatro gerações, duas mixtapes, estamos no segundo EP, e a gente acabou “fechando” uma família, fechando no sentido de firmando um compromisso com o grupo. Somos seis: sou o Adnon, que componho, produzo e canto também, o Hairton (Roxedo), que é nosso selecta, que anima, bota energia lá pra cima, e canta também, os compositores e cantores Biodz, que está desde a primeira geração, a Pantera Black, que está desde a segunda geração, e na terceira geração que firmou, Negrill e o Eric End.

No nosso novo EP, se juntam também as cantoras maranhenses Bebel du Guetto, que mora no Rio de Janeiro, e Márcia “Nega Girl” Carvalho, que mora em São Paulo. Como eu falei, não é um grupo fechado, sabe? A cada temporada, trabalho, estamos sempre agregando. Algumas pessoas fazem essa, por assim dizer, residência aqui em São Luís, e outras pessoas também estão por aí, como Nega Girl e Bebel (nas fotos abaixo). Além, é claro, de vários outros artistas aqui, que a gente considera também Criola Beat, que estão sempre colaborando e estamos sempre juntos.

 

GM: “Criola Beat Dancehall Style, Vol. 2”: como foi o processo de criação e produção deste volume? O que vocês buscavam explorar musicalmente neste novo trabalho?

Mr. Adnon: Essa é a continuação de uma saga que surgiu da necessidade de especificar um subgênero desse som Criola Beat, que é a fusão com o reggae atual que a gente vive, as coisas que a gente vive hoje, para não perder a essência, trazer o sabor e gosto de nostalgia dos melôs que são consagrados aqui na ilha. A maioria do EP é feito com esses hinos do reggae e também os gostos pessoais – tem coisas aí que foram pouco conhecidas aqui na ilha, que não se tornaram os melôs, porque os melôs são as pedras, né?

Nem todo reggae é uma pedra aqui em São Luís do Maranhão.

É juntar essas pedras, trazer pro tambor de crioula, pra roda de tambor também, porque o tambor de crioula é isso, ele tá fundido ali nas duas culturas, a cultura de radiola também, a cultura reggae aqui em São Luís. Então enquanto o tambor tá esquentando e estão acontecendo os preparativos, o que tá tocando na radiola é reggae. O reggae, a música caribenha, o calypso, o merengue. Então isso é uma coisa só. A cultura popular aqui no Maranhão é assim: tá rolando um boi de qualquer sotaque, e aí durante os preparativos as pessoas esquentam o couro e tá tocando o reggae.

Como o Criola beat é orgânico, ele é uma reportagem do presente, do que tá acontecendo na nossa cena, na nossa vida, nas nossas vivências.

Fazemos versão brincando! Já temos volume 3, volume 4 de versões pra fazer, porque a ideia é essa. Começou com Criola Beat Volume 1, trazendo canções inéditas nesse estilo Criola Beat Dancehall Style, que é um subgênero, e estamos continuando agora com versões. Abrimos com canções originais, e agora daqui pra frente a ideia é rebuscar essas versões.

 

GM) O tambor de crioula tem uma força muito presente no som de vocês. Como essa conexão se manifesta neste novo trabalho e também nos demais trabalhos? 

Mr. AdnonEssa é a nossa cultura, né? É um espectro, como falei não dá pra separar. O tambor de criola é nossa mãe, a mãe do que a gente faz, então é muito importante. É totalmente diferente quando a gente se apresenta com o tambor de criola, leva o tambor de criola ali pra ter o momento, é a nossa forma de se preparar, de estar a mãe com seus filhos junto.

É uma ligação que a gente quer que seja o mais homogênea possível, por isso estamos trabalhando no nosso primeiro álbum, que vai chamar “Isso é Criola Beat”. Estamos em estúdio nesse exato momento fazendo essa produção, e é um álbum de tambor de criola. 

Pegamos cantigas de tambor de criola e fizemos novas cantigas também, músicas inéditas e músicas que já têm séculos de existências, mais de 400 anos, da cultura do tambor de criola aqui do Maranhão. 

E estamos fazendo isso de uma forma homogênea, trazendo o tambor pro palco agora. É um trabalho orgânico, onde o tambor vai estar em evidência, as cantigas de tambor, o coro, aquela coisa forte do tambor de fazer todo mundo que tá ali no recinto, na plateia, cantar junto e fazer parte também da apresentação.

A gente tá com essa nova proposta, que na verdade ela só é nova porque levou todos esses anos para ser construída, mas na verdade é o marco zero de tudo né? Por isso que vai chamar “Isso é Criola Beat”, porque ela é toda a nossa cultura sendo amplificada e exponenciada por instrumentos, por mais vozes cantando, uma banda ali cantando junto com a aparelha, e vários artistas convidados de vários movimentos culturais aqui da nossa cidade. É a realização de um sonho.

 

 

GM) Houve alguma colaboração especial ou experiência marcante durante a gravação do álbum que vocês gostariam de compartilhar?

Mr. AdnonPara esse Criola Beat Dancehall Style Volume 2, a gente contou com a participação da Bebel du Ghetto, que é uma expoente pra gente, mulher no dancehall há algumas décadas, uma das pioneiras no Brasil no dancehall. Então pra gente, ela participar desse álbum foi um resgate, de trazê-la pra perto dos seus, ela que é maranhense, está no RJ desde criança, com certeza foi um afago no coração dela.

Também pra nós do Criola Beat é um testificado de que estamos lutando juntos, uma prova que o propósito do Criola Beat está se cumprindo. Também tivemos a Nega Girl, que foi uma aposta. A gente também trabalha como incubadora, então estamos incubando artistas como o Negrill e o Eric End, que entraram recentemente, e a Nega Girl, que está sendo preparada para ter um som, para ter a música dela também sendo executada, sendo trabalhada. Para nós, faz parte ter esse cuidado, essa atenção para quem está começando. Portanto, conseguimos cumprir dois propósitos que são primordiais na ideia do Criola Beat de existir, de praticar essa reunião de pessoas diferentes, da diversidade, né? Salve Bebel du Ghetto, salve Nega Girl! Obrigado pela contribuição nesse trabalho. Tamo junto demais.

GM) Desde a criação do Criola Beat, como vocês enxergam a evolução do som e da identidade do grupo? 

BiodzA evolução do som do Criola Beat se deu com a conexão com as culturas populares do Maranhão. E principalmente pelo quesito do Criola Beat estar junto do tambor de crioula, integrando algumas festas que justamente tinham como intercalação bandas alternativas e discotecagens, enquanto as marchas de tambor aconteciam nas pausas destes e destas artistas. E isso foi evoluindo para, na verdade, misturar esse ritmo com várias outras coisas que já eram feitas.

Isso gerou uma identidade de resgate do urbano por modo do tradicional, porque todas as claves rítmicas tradicionais que a gente estudou acabaram fazendo com que a gente percebesse que os outros sons urbanos também tinham alguma conexão com o tradicional.

Então a gente está tentando justamente recriar isso nessa reconexão, meio que a mesma coisa que o adinkra Sankofa fala, a gente tem que olhar para trás para poder continuar caminhando.

 

GM) O Maranhão tem uma cultura riquíssima e única no Brasil. Como vocês enxergam o papel do Criola Beat dentro desse cenário musical e como essa identidade se expressa? 

BiodzO papel do Criola Beat dentro do cenário multicultural da música brasileira é, justamente, alertar a brasilidade em si de suas conexões autóctones, tanto com povos indígenas quanto com povos africanos que ajudaram a construir a identidade linguística, artística, cultural e musical do Brasil.

A gente está, na verdade, com esse papel de resgatar essa consciência a respeito desses ambientes urbanos porque, de certa forma, a indústria meio que engole a cultura, só que a gente precisa que haja uma digestão necessária a respeito de tudo que se absorve a respeito da cultura histórica do Brasil.

Buscamos colocar para as pessoas que essa multiculturalidade deve existir como um posicionamento para que a gente tenha uma real identidade forte perante esse cenário mundial. Somos bombardeados por músicas do mundo todo o tempo todo, porém temos muita música boa aqui, tanto que essas músicas normalmente são sampleadas por gente de fora.

Então é esse resgate da potência que é o Brasil, principalmente o Nordeste e o Norte, nesse cenário musical.

GM) Vocês acreditam que o Criola Beat já influencia uma nova geração de artistas que misturam tradição e inovação? Já enxergam esse movimento acontecendo? 

HairtonO Criola Beat influencia, sim, uma nova geração de artistas aqui no Maranhão. Isso está refletido dentro do próprio coletivo, que é composto por vários artistas da nova geração. Os lançamentos das mixtapes Volume 1 e Volume 2 influenciaram toda uma nova geração de artistas musicais, cantores, cantoras, DJs, a fazer essa mistura de ritmos tradicionais com ritmos de cultura de rua.

Em especial, o trabalho Dancehall Style aqueceu toda uma cena da cultura sound system aqui em São Luís do Maranhão, fazendo a reativação de outros coletivos, como o Ilha Dub Sound System, e fazendo com que produtores musicais, cantores, cantoras, DJs, ficassem atentos em relação ao que tá acontecendo no mundo com a cultura sound system, com o Dancehall, com o Dub. 

GM) O que vocês diriam para alguém que nunca ouviu Criola Beat e quer entender a essência do grupo?

Hairton: É importante a gente ter o entendimento que o Criola Beat é para além de um grupo, para além de um coletivo. O Criola Beat é um som, é um estilo de música.

É claro que a nossa vertente, a nossa principal vertente, a nossa base é o tambor de crioula, que é um ritmo tradicional, é onde está a nossa ancestralidade, mas a gente alia essa ancestralidade à tecnologia musical. 

Então a gente sempre afirma que o Criola Beat é uma tecnologia ancestral. É claro que a essência é o tambor de crioula, mas envolve o tambor de crioula com a tecnologia musical aliada a esses ritmos atuais, dentro do rap, dentro do reggae, dentro da cultura de rua em si.

GM) Planos do grupo para 2025?

Hairton: 2025 é um ano emblemático para o grupo, porque é um ano que chega na fase de vários de nossos projetos, em que a gente precisa expor tudo aquilo que foi iniciado, planejado e plantado. Então agora é hora da gente expor esses frutos.

Começamos o ano de 2025 já fazendo o lançamento do segundo volume do nosso EP, Criola Beat Dancehall Style vol. 2, e o lançamento nas plataformas digitais das músicas também vem acompanhado de lançamento de live session, audiovisual, lançamento de clipe de algumas faixas. Para além do Dancehall Style, a gente tem um outro trabalho chamado “Isso é Criola Beat”, que é um álbum mais orgânico do grupo, que vai ter o envolvimento de mestres da cultura, vai ser na verdade um espetáculo, o que mais vai poder traduzir o que somos – o título é autoexplicativo.

O espetáculo vai envolver a parte orgânica do tambor de criola com a parte tecnológica da música. É um trabalho que está para ser lançado esse ano, estamos na fase de produção, mas a previsão é para esse ano. Além disso, estamos produzindo um longa-metragem chamado Cadê o Juvenal, que conta a história de um amigo de todo o grupo, mas principalmente um amigo que convive com o mestre Amaral. Estamos em fase de produção e esperamos em breve lançar nas telonas do Brasil e do mundo.

 

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